sábado, 14 de abril de 2012

O STF e o aborto

Bem, esta foi uma das semanas mais polêmicas dos últimos tempos onde o Supremo Tribunal Federal finalmente decidiu julgar (depois de 8 anos) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de autoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde que debatia sobre a possibilidade da 'antecipação terapêutica' (um eufemismo para aborto) do parto de fetos anencefálicos.
Como todo os temas que ultimamente têm caído no colo do STF para que ele dê a última palavra, este tema gerou debates acalourados de ambos os lados.
Apesar do desvio de foco (até por parte dos ministros) no momento da votação era sobre a possibilidade de a gestante ter o direito de escolher pela interrupção ou não da gravidez de fetos com a anomalia conhecida por anenecefalia e, havendo a interrupção do processo gestacional, tal ação poderia ser considerada crime.
Muitos dos que se situaram no debate com a velha bravata do 'a favor da vida' recorreram ao argumento nebuloso 'onde começa a vida', para mim um abuso retórico quase como os argumentos que diógenes, o cínico, usava para incitar debates da antiga Grécia. Achei interessante tentar analisar esses argumentos e expor minha opinião sobre esse debate de forma global.
Primeiro de tudo, apesar de não ser nenhum especialista na área médica, seria interessante tentar estabelecer o que seria anencefalia. Esta anomalia é ocasionada pela má formação do tubo neural na fase embrionária, essa má formação quando é mais leve pode dar origem ao que chamamos de espinha bífida (que ocasiona para ou tetraplergia, dependendo da altura da lesão medular) e, nos casos mais graves a ausência total (ou parcial grave) do cérebro ou até mesmo de todo o sistema nervoso. É uma anomalia reprodutiva que torna a vida extrauterina totalmente impossível. Quando o bebê chega a nascer, vive no máximo uns poucos dias. Um caso trazido pelos partidário antiaborto consistia num caso bizarro de manipulação midiátia, pois o caso da menina que supostamente era anencefálica e já está com cerca de 2 anos (não sei ao certo) ela pode não ter a calota craniana, mas tem cérebro bastante para lhe garantir as funções vitais básicas, o que um feto anencéfalo nem em sonho possui.
Bem, vamos aos pontos argumentativos contra a interrupção da gestação que acredito serem mais 'importantes'.
Muitos tentaram que a discussão migrasse para algo que não se tem consenso até hoje que é o do início da vida. Esta retórica podia ser admissível no julgamento que tratou sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias (lei de biossegurança). Essencialmente a discussão era sobre a criação de uma hipótese extralegal de exclusão de ilicitude para o aborto dos fetos que fossem diagnosticados com tal anomalia (por exemplo, do Direito Penal alemão, como há muito já alertava Nélson Hungria existiam as causas de justificação extralegais para, na interpretação da lei penal, despenalizar condutas que a sociedade não enxergasse mais como ofensivas a determinados bens jurídicos). Necessariamente este era um argumento sem fundamento, pois o que se discutia não era sobre a existência da vida (fato irrefutável), mas sobre a interrupção de uma gestação sob o prisma da dignidade humana da mãe (e porque também não do pai) uma vez que o feto não teria viabilidade extrauterina.
Num segundo momento, e acredito que a contra argumentação mais grave do opositores desta modalidade de aborto seria que a interrupção da gravidez de fetos anencefálicos seria o primeiro passo para a instalação de um sistema de seleção eugênica de cidadãos por parte do Estado, tal como aconteceu no nacional-socialismo alemão (1933-1945).
De todas as teses, esta seria a mais ridícula. O regisme nazista da alemanha promoveu seleções raciais (com critérios no mínimo duvidosos) não baseado na autonomia da vontade, mas de uma imposição do Estado frente à sociedade (como é típico do Estado de polícia do século XX) num cenário de uma ideologia estatal oficial baseada no conceito de raça ariana. O que se passa aqui no Brasil é algo totalmente diferente, obviamente não há a divulgação pelo Estado de uma ideologia oficial que busque doutrinar toda a população e, como forma de torná-la obrigatória impô-la por meio do terror como forma de ação política (como já alertava Hannah Arendt quando analisou o 'modus operandi' do totalitatismo). A ideia básica da despenalização do aborto de fetos anencefálicos seria, em verdade, conferir ao cidadão algo que regimes policialescos nunca fizeram, preservar a autonomia da vontade de seus cidadãos, isto deve ser valorizado, pois não pode ser concebida a existência de um Estado democrático se a sociedade não possui sequer um espectro mínimo de liberdade para exercer escolhas.
Na mesma esteira da autonomia da vontade (que não entendo como um postulado absoluto) e partindo para um argumento mais religioso (local comum em tal discussão), Deus ao criar as pessoas conferiu-lhes algo chamado livre-arbítrio (o mal uso dele teria dado origem ao pecado original), sendo os humanos dotados de algo sui generis que é a possibilidade de escolhas baseadas em argumentos os quais se acredita serem racionais, por quê proibir quando se pode conferir a dignidade a cada pessoa de exercer o direito de escolha nos moldes da ideia de livre-arbítrio?
Por fim (já que me alonguei demais), vejo a questão da dignidade, como buscar garantir a dignidade de alguém que não tem possibilidade de atingir um pleno desenvolvimento (e isto é bastante diferente do que muitas pessoas disseram que abortar um feto anencefálico seria a mesma coisa do que fazer o mesmo com um deficiente ou alguém com Alzheimer, essas pessoas têm todas as possibilidade reais de atingir um pleno desenvolvimento frente às suas limitações, pois a ideia de límite é ínsita à natureza humana) enquanto se joga à lama a dignidade aos pais que ficariam presos a uma gestação torturante sem poder exercer seu direito de escolha.
Por fim, é preciso imaginar-se num dilema como o de quem escolhe, pois só é possível ser digno ao conferir dignidade aos outros, negar a dignidade de quem passa por uma situação como esta é retirar sua própria dignidade.
Por fim, uma vitória do bom senso...

segunda-feira, 19 de março de 2012

Consumismo desenfreado

Bem, desde a semana passada a impresa alardeia o lançamento do Ipad 3, destacando os avanços, a vanguarda desta empresa no mercado de alta tecnologia e um sem número de comentários positivos sobre esta que pode ser considerada uma das marcas mais valiosas da atualidade.
Após o anúncio do lançamento deste novo 'brinquedo de alta tecnologia', o que se notou ao redor do mundo foram as filas quilométricas na frente de lojas do mundo todo, parece até que há uma demanda infinita por esse equipamento da apple já que era muito fácil ver notícias de pessoas que ficaram dias em tais filas para comprar o novo Ipad.
Analisando a postura atual de nossa sociedade frente aos produtos da apple, o que percebo é uma verdadeira onda de consumismo desenfreado. Algumas vezes penso que se a apple lançasse uma coleção de pedrinhas, por ter o selo da prestigiada empresa estadunidense, um produto tão bobo como este tornar-se-ia sucesso de vendas indiscutivelmente.
Apesar de vivermos num mundo a cada dia mais e mais devastado em termos ambientais, marcado por conflitos gravíssimos (armados ou não), onde uma pessoa morre de fome a cada 12 minutos e muitos outros problemas muito sérios, todos os dias me convenço da agudez de raciocínio do filósofo e sociólogo polaco Zygmunt Baumann, que caracteriza o consumo como o principal traço da vida em sociedade, onde o vigente modo de produção passa a ideia de que a existência de uma pessoa só é tornada plena a partir do ato de consumir.
Num mundo em crise (tanto de valores quanto financeira), muito me admira que várias pessoa se amontoem em filas para gastar seu dinheiro em um equipamento que em muito pouco se diferencia das versões anteriores e, este é um dado importante, muitos dos que estavam nas filas com o objetivo de entrarem no seleto grupo de 'consumidores pioneiros' já possuíam alguma versão do equipamento.
O que fica claro é que os problemas que surgem em cada versão e são solucionados na versão posterior e substituídos por outros são uma grande estratégia para consolidar as vendas das futuras versões, afora isso, as ditas 'novidades' muitas vezes são tão imperceptíveis que se tornam quase impossíveis de ser observadas até pelos técnicos da área.
Ao ver as notícias cada vez que a apple lança um novo produto no mercado fico a pensar: onde isto vai parar? Até onde é possível o avança do consumismo? Até quando tal situação é ainda sustentável?
Entendam, não sou contra o progresso científico ou tecnológico, longe de mim, fico me perguntando até onde esta existência baseada na técnica e tecnologia irá nos levar?
Por fim, quando será os cultores do consumo acordarão de seu transe em relação às quinquilharias da modernidade e olharão a seu redor para perceber tantos outros problemas mais importantes do que saber quando sairá a nova versão do ipad ou do iphone?

quinta-feira, 8 de março de 2012

Os Crucifixos e o Estado Laico

Bem, faz algum tempo que não escrevo aqui, para ter ideia, a última vez que mexi nesse blog a "primavera árabe" estava bombando, mas, tudo bem, como sempre, escrevo sobre o que me interessa.
Essa semana vi uma matéria interessante que dava conta de algo acontecido no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (sempre considerado pioneiro, vanguardista e coisa e tal). Segundo o portal terra os crucifixos presentes nas salas de sessões daquele tribunal foram retiradas.
Após este fato ser noticiado Brasil afora, a internet (e principalmente as redes sociais) foi inundada de manifestos a favor da decisão dos magistrados gaúchos, criticando a ideia de Estado laico no Brasil e por aí vai.
Poucos dias depois vi um texto do Reinaldo Azevedo (articulista da Veja) que falava sobre a intolerância expressa na obstinada perseguição na retirada dos crucifixos em ambientes públicos no Brasil.
Essa verdadeira guerra de argumentos e opiniões (todas elas bastante sólidas) me fizeram pensar sobre a questão do Estado laico, liberdade religiosa e outras questões que me fizeram relembrar um caso emblemático sobre crucifixos em ambientes públicos.
Em 1995, o Bunderverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal, versão alemã do Supremo Tribunal Federal) julgou uma reclamação dos pais de uma aluna que viram como violação ao princípio da liberdade religiosa a presença do crucifixo em salas de aula.
Em julgamento emblemático da corte de Karlsruhe, por 5x3, decidiu-se que a presença dos crucifixos (um símbolo religioso cristão por excelência) feria o princípio da liberdade religiosa e os mesmos deveriam ser retirados.
Após a decisão, seguiu-se imensa polêmica, em especial no estado da Baviera (Bayern), mais rico, tradicionalmente de ampla maioria católica (o atual papa Bento XVI já foi acerbispo de Munique), do qual o principal partido político (Democrata Cristão) era o do Chanceler Helmut Kuhl. Naquela ente da federação a decisão foi bastante criticada, gerando protestos tanto dos políticos quanto da igreja católica, ambos saíram às ruas em protestos ao varedito da corte.
Após a decisão, o parlamento da Baviera aprovou uma lei que, levando em consideração a herança e tradição católica bávara, os crucifixos deveriam ser fixados nas salas de aula e que, se alguém se sentisse ofendido com tal presença, deveria haver na escola uma instância de conciliação para resolver tal problema.
A lei foi questionada no BVGe teve uma decisão bem diferente desta vez.
Ao contrário da primeira reclamação (onde foi reconhecida a ofensa à liberdade religiosa), desta vez o tribunal não exergou tal ofensa na lei bávara colocando um pensamento muito interessante: a tolerância é um exercício a ser realizado também pelas minorias.
A decisão do tribunal alemão põe uma questão realmente digna de nota, em termos de tolerância, é mais comum se pensar sempre da forma contramajoritária, ou seja, que as maiorias sempre têm de tolerar as minorias e que a vontade geral não pode esmagar as minorias subrepresentadas, mas, da mesma as minorias também não possuem o direito de impor simplesmente sua vontades à maioria simplesmente porque são uma minoria.
Daí vem que a tolerância não deve ser só das maiorias em relação às minorias, mas o respeito também deve vir no sentido contrário, sob pena de não ser possível a construção de uma sociedade digna de um Estado democrático.
Já fui a favor da retirada dos crucifixos, contudo, pensar em tal questão essa semana me mostrou que muitas vezes esse debate pode ser vazio, pois a presença de um crucifixo numa sala de julgamento, numa escola ou numa repartição pública não significa que exista supremacia da fé cristã/católica ou que na verdade a igreja exerça poder sobre o Estado, mas é uma questão muito mais cultural, a sociedade ocidental foi construída em bases precípuamente cristãs, são cristãos nossos valores muitas vezes secularizados.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O Egito e a possibilidade de mudanças


Desde o final do ano passado e início deste, o Mundo Árabe está em polvorosa com uma onda de protestos que exigem reformas democráticas e mais liberdade para o povo e que até agora já derrubou os governos da Tunísia e do Egito com expectativas mais mudanças possam acontecer por aí.

O Mundo Árabe e o Oriente Médio nunca foram bolsões da democracia no mundo. Mas, o que vem acontecendo nos últimos meses não têm precedentes nas história recente.

Os governos do mundo árabe em geral foram formados após a independência destes países após a década de 1920 ou segunda guerra mundial (1939-1945) com 'ajudas' de países representantes da ideologia capitalista (EUA e Europa Ocidental) ou 'comunista' (URSS e países com ela alinhados). O resultado da polarização da guerra fria foi o surgimento de diversas ditaduras que vem sobrevivendo ao passar dos anos mesmo duas décadas após o fim da guerra fria sendo governos com altos índices de corrupção e, mesmo assim, não era comum observar movimentos populares com o objetivo de derrubar esses governos como aconteceu na América Latina em fins da década de 1980.

Todavia, no final do ano passado, a chamada Revolução de Jasmim muda o cenário, a Tunísia, país árabe fracófono o qual não possuía antecedentes de manifestações populares começa a registrar pedidos veementes de fim governo por vários motivos: corrupção, crise ecnômica, abuso de poder onde o autossacrifício de um vendedor ambulante que se negou a continuar cooptado pelos métodos do governo e incendiou-se serviu como combustível para exigir de forma mais veemente a queda do presidente Ben Ali.

Após a Tunísia o movimento alastrou-se pelo Egito onde o Hosni Mubarak viu-se forçado a deixar o poder depois de 30 (trinta) anos de domínio inconteste e tudo indica que tais movimentos alastrar-se-ão por mais alguns países árabes.

Venho pensando até que ponto a queda do presidente foi um 'bom negócio' para os egípcios.

Em primeiro lugar, longe de mim defender qualquer tipo de ditadura, mas, reflitamos de forma mais sóbria sobre os fatos.

A primeira atitude da junta governativa do Egito (que assumiu o papel de um governo privisório) foi a de suspender a Constituição e esta ação tem duas linhas argumentativas que podemos seguir.

Podemos pensar que foi uma boa atitude, pois, sendo uma constituição fraudada por Mubarak, seria um entulho autoritário a ser varrido da história. Mas, por outro lado, sabe-se que a Constituição é o documento jurídico que fornece linhas mestras em relação à forma de organização do Estado e também apresenta as garantias que servirão de defesa da sociedade contra o Estado. Vem o dilema, melhor com ou sem constituição?

Como eu disse, o governo provisório vem sendo exercido por uma junta militar. Ora, ainda há traços da influência de Mubarak aí uma vez que o próprio era um militar. Para quem não se lembra, na época do governo de Anwar al Sadat (1970-1981) ele era o general vice presidente e n. 2 na linha sucessória e quando Sadat foi assassinado, galgou o governo.

Sendo o ex-ditador um general ele ainda deve possuir influência sobre os militares que governam o país provisoriamente, mas, acredito que este governo é o único possível atualmente para que o Egito não caia numa situação geral de anarquia.

Acredito que uma série de cuidados devem ser tomados a partir de agora tais como a criação de partidos políticos, a realização de eleições livres fiscalizadas por organismos internacionais, uma nova constituição para o país, surgimento de um regime realmente democrático.

Continuo a olhar com desconfiança a irmandade muçulmana. Acredito que no fundo ela quer transformar o Egito num Estado Islâmico como o Irã, ato este que o ocidente deve tentar impedir, não seria interessante a repetição de um movimento retrógrado como o que aconteceu no Irã cerca de trinta anos atrás.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Tentando voltar

Galera (se é que alguém me visita), tô tentando me redimir da abandono que ronda este espaço há alguns meses.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Ficha Limpa







Bem, pensei que não iria me sentir motivado para comentar sobre a Lei Complementar n. 135/2010, conhecida pelo 'apelido' de Ficha Limpa. Contudo, após ter acompanhado os momentos decisivos do julgamento do Supremo Tribunal Federal ontem, me senti animado, mesmo o direito eleitoral não sendo, digamos, a minha alma mater.

Não falo nada de novo ou revolucionário, mas, é a minha sincera opinião.

Primeiro de tudo, sempre achei o sistema eleitoral brasileiro uma porcaria tão grande quanto os candidatos que temos a cada dois anos. A lei é anacrônica, o sistema proporcional é antidemocrático, os suplentes ao senador na verdade 'compram' suas vagas na 'casa nobre' da república ao financiar as campanha em quase sua integralidade, ou seja, nosso sistema eleitoral é um verdadeiro pandemônio.

Todavia, em meados do ano passado inciou-se uma campanha da sociedade civil organizada (Igreja Católica, Ministério Público Federal e outras entidades de peso) no sentido de criar uma modificação legal (iniciativa popular de processo legislativo) que endurecesse a legislação eleitoral sobre os casos de inelegibilidade.

Desta forma, a LC 135/2010 criou novas modalidades de inelegibilidade e, dentre elas, a mais eficaz, a hipótese da impossibilidade de registro de candidatura pelo período de 8 (oito) anos daqueles que viessem a ser condenados (em decisão transitada em julgada) por órgão colegiado.

Desde a campanha pela lei do ficha limpa houve um tumulto quanto ao tema, visto que a matéria chegou ao congresso rodeada por imensa pressão da sociedade e das instituições que apoiaram o projeto desde a sua gênese.

Em cima da hora, apesar de mais de um milhão de assinaturas colhidas em todo Brasil, constatou-se que as assinaturas que embasavam o projeto não tinham condições formais de iniciar o processo legislativo por iniciativa popular (a constituição exige como procedimento a adesão mínima de 1% da população eleitoral nacional, mediante assinaturas, distribuídos por pelo menos 5 unidades federativas e no mínimo 0,3% dos eleitores em cada uma dessas unidades). Fato este que não atrapalhou a votação, visto que o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) vestiu a comisa do projeto e tranformou-o em projeto de lei de iniciativa daquela casa legislativa.

Numa 'tramitação relâmpago', em poucos dias a lei estava aprovada pelas duas casas do congresso nacional e promulgada pelo Presidente da República.

A partir da sua promulgação no dia 4 de junho do ano corrente começaram as polêmicas de possibilidade de aplicação já nas eleições do próximo dia 3 de outubro e também se a lei tinha efeitos ex nunc (sem efeito retroativo) ou ex tunc (com efeito retroativo).

Vamos começar da lei mais básica e geral para a mais específica para entender os problemas que envolvem o ficha limpa.

Os artigos de 14 a 16 da Constituição regulam os Direito Políticos que, apesar de não estarem insertos na parte que se refere aos direitos individuais e coletivos, também são classificados como Direitos Fundamentais, pois regulam formas e condições para participação política e exercício da cidadania, ou seja, referem-se ao princípio democrático, um dos fundamentos de nossa ordem constitucional.

Por sua vez, o §9º do art. 14 estabelece que lei complentar fixará outras hipóteses de inelegibilidade, e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. Estando perante um norma constitucional de natureza limitada (ou não operativa), a completude de tal mandamento constitucional foi efetivado por meio da lei complementar n. 64/90 qu estabeleceu as condições de inelegibilidade as quais o §9º do art. 14 fez referência e fixou a reserva legal para lei complementar.

Até aí tudo bem, o grande problema é o limite de aplicabilidade (não de eficácia, que é imediata) estabelecido pelo art. 16 da Constituição que estabelece o princípio da anualidade no qual as modificações no processo eleitoral são apenas aplicáveis um ano após a promulgação da lei em questão.

O princípio da anualidade mostra-se como corolário da segurança jurídica (já que a própria Constituição afirma que a lei não prejudicará a coisa julgada, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito), já que mudar 'as regras do jogo' em tempo muito exíguo seria algo típo dos regimes autocráticos (lembrando o raciocínio de Hans Georg Gadamer que nos regimes autoritários não interpretação, muito menos segurança jurídica, uma vez que toda e qualquer dispposição é mutável de acordo com os desígnios dos donos do poder). A inexistência do princípio da anualidade tornaria possível de uma reprise no Ato Institucuinal n. 3 que, em ano eleitoral, institui a mudança no processo e estabeleceu a eleição indireta para presidente da república.

Tendo a lei sido aprovada no último dia 4 de junho, pode-se falar claramente que a mesma não seria aplicável ao pleito do próximo mês, pois entra em confronto direto com o princípio da anualidade eleitoral.

Outro ponto polêmico seria o caso de que se o ficha limpa aplicar-se-ia apenas aqueles que a partir de 4 de junho tivessem a condenação por orgão colegiado transitada em julgado ou os efeitos da lei estender-se-iam às condenações transitadas em julgado antes da promulgação da lei.

Entendo como este ponto da lei também pernicioso. Primeiro de tudo, a LC 135/2010 é clara em sua redação: "
os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes (...)".

Assim sendo, percebe-se que a lei, por sua prória limitação temporal apenas seria aplicável aos casos futuros, não regendo os casos que foram julgados antes da sua vigência. Entender de forma contrária é que seria (mais do que a violação ao princípio da anualidade) um atento ao princípio da segurança jurídica, com a ofensa à coisa julgada. A ampliação da pena de inelegibilidade (em geral de 3 anos) seria impensável, já que importaria em condição retroativa que pioraria a situação do condenado.

Não atacando uma lei como o ficha limpa, evolução a olhos vistos da sociedade civil organizada, mas, algumas das coisas realizadas por ela importa em graves violações a Direitos Fundamentais que não podem ser simplesmente ignoradas, pois, os Direitos Fundamentais são os direito mais básicos e que devem, necessariamente, balizar a atuação do poder executivo e legislativo.

Devo lembrar que a LC 135 é uma escolha ética acertada, mas, mais importante do que qualquer reforma eleitoral, nada substitui a reforma de consciência necessária no momento das eleições, momento sublime da cidadania e onde a democracia irradia sue principal brilho, a participação popular.

Não devemos deixar a escolha eleitoral recair sobre as mãos do Poder Legislativo ou Judiciário (dizendo se o ficha limpa vale ou não ou condenar o STF, taxando como falta de vergonha as decisões daquela corte que se balizam no respeito à Constituição e aos Direitos Fundamentais). Mais eficaz do que qualquer lei seria a decisão de cada cidadão que, independentemente de qualquer lei, levasse a cabo o seu 'ficha limpa' privado, preferindo votar em cadidatos com boas propostas de governo (e não naqueles que possam lhe beneficiar com um emprego ou outras benesses) ao invés dos tradicionais 'fichas sujas' que ocupam a cena política brasileira há anos.

Enquanto os cidadãos brasileiros não tomarem tal iniciativa, a política será dominada por esses tipos corruptos que estão em nosso cenário e a política continuará sendo o reflexo de uma cidadania deformada.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

França, quem te viu, quem te vê...




Ah, França! Terra das liberdades, lá nasceu o projeto da soberania popular e a sociedade que viríamos a conhecer como moderna.

A França se notabilizou por muito do que chamamos de cultura nos dias de hoje. Foi lá, por meio da revolução francesa, que ideais de liberdade igualdade e fraternidade espalhariam-se pelo mundo e que, ainda nos dias atuais, mais de 200 anos após a queda da bastilha, tais princípios são bases conceituais de inúmeros Estados (inclusive o Brasil).

Contudo, nos últimos anos, vários fatos que chamar de 'feios' têm manchado na minha opinião a imagem francesa e desonrando o passado de lutas pelas clássicas liberdade: que todos os homens seriam livres, todos eles seriam iguais, independentemente da posição social a qual ocupassem e haveriam ações no sentido de assegurar conquistas humanas para o alcance da felicidade humana. Os fatos que relaciono aqui como ofensivos ao passado francês são a proibição de símbolos religiosos e, mais recentemente, a expulsão de ciganos (roms) do território francês para que os mesmos fossem levados para a Romênia.

O Art. 1º da Constituição da V República Francesa de 1946 afirma que "A França é uma república indivisível, laica, democrática e social. Ela assegura a igualdade perante a lei de todos os cidadãos sem distinção de origem, de raça ou de religião. Ela respeita todas as crenças. Sua organição é descentralisada" (La France est une République indivisible, laïque, démocratique et sociale. Elle assure l’égalité devant la loi de tous les citoyens sans distinction d’origine, de race ou de religion. Elle respecte toutes les croyances. Son organisation est décentralisée).

Ora, como dizer que todos são igual independentemente de suas origens, que há o respeito a todas as crenças, democrática e não há qualquer tipo de religião se hoje, neste maravilhoso país não se pode expressar livremente seu credo com os símbolos a eles inerentes e, mais grave ainda, o governo vem expulsando cidadãos de uma cultura europeia vista como "indesejada", logo na França, terra da diplomacia, dos direitos dos homem e do cidadão onde, tradicionalmente, houve o acolhimento massivo de exilados políticos, que rumo a França está tomando.

Tudo começou há cerca de 2 anos quando se começou com propostas de banir das escolas francesas todo e qualquer símbolo religioso, sem distinção, de crucifixos a solidéus, ressaltando que os alunos os quais insistissem com a utilização de tais instrumentos seriam expulsos. A justificativa de tal projeto seria o de que tal proposição enquadraria-se com a ideia de Estado laico nascida França revolucionária pós-1789.

Verdade que a França tem um acentuado sentimento de laiscisão, sendo o primeiro Estado que preconizou a separada ação o Poder Espiritual do Poder Temporal, contudo, no mínimo é uma hipocrisia dizer respeitar todos os credos e proibir sua livre manifestação, afinal, quem tem que ser neutro em relação à religião é o Estado e não seus cidadãos, sendo que todos têm direito de ter alguma (ou até nenhuma) religião e expressa-la, desde que não venha, com tal manifestação ferir o direito alheio.

Pode-se localizar tal iniciativa de proibição de símbolos religiosos (que já implicou na expulsão de vários jovens de escolas francesas) como uma tentativa de, ao meu ver, frear a expansão do islã na sociedade - fato este que é preocupante em vários países da União Europeia tais como a própria França, Alemanha e Inglaterra - todavia, o governo francês foi o único que 'teve coragem' de tomar uma medida mais drástica contra símbolos religiosos que, obviamente volta-se contra a comunidade muçulmana.

Outro ponto que, definitivamente, me chocou e enojou foi a divulgação que o governo de Sarkozy está a expulsar dezenas de roms (diminutivo de Romanis ou ciganos, grupo étnico indo-europeu apátrida que constitui uma das principais questões étnicas não resolvidas em território europeu desde a I guerra mundial (1914-1918).

Apesar do governo de direito da França sustentar a posição cínica de que é apenas uma política normal e que é o país que mais respeita o direito dos estrangeiros, não passam tais medidas de um verdadeiro 'racismo de Estado', postura esta que desrespeita toda e qualquer regra da própria União Europeia a qual tem como um de seus fundamentos mais básicos a livre circulação de pessoas.

Essa política vergonhosa atraiu imensa repercussão e publicidade negativa aos 'pais da sociedade ocidental'. O anúncio da deportação gerou protestos da sempre atuante esquerda francesa, das Nações Unidas, do Comissário da União Europeia para Justiça e Direitos Fundamentais e até mesmo da Santa Sé (no último domingo na benção urbe et orbi, Bento XVI ressaltou - num discurso em francês - que os princípios éticos e cristãos convidam-nos a acolher pessoas de todas as culturas e línguas rumo à fraternidade universal).

Bem, com todas essas ações nauseabundas, a única coisa que podemos dizer é: França, quem te viu (liberdade, igualdade e fraternidade), quem te vê (preconceito, segregação e xenofobia).