Bem, esta foi uma das semanas mais polêmicas dos últimos tempos onde o Supremo Tribunal Federal finalmente decidiu julgar (depois de 8 anos) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de autoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde que debatia sobre a possibilidade da 'antecipação terapêutica' (um eufemismo para aborto) do parto de fetos anencefálicos.
Como todo os temas que ultimamente têm caído no colo do STF para que ele dê a última palavra, este tema gerou debates acalourados de ambos os lados.
Apesar do desvio de foco (até por parte dos ministros) no momento da votação era sobre a possibilidade de a gestante ter o direito de escolher pela interrupção ou não da gravidez de fetos com a anomalia conhecida por anenecefalia e, havendo a interrupção do processo gestacional, tal ação poderia ser considerada crime.
Muitos dos que se situaram no debate com a velha bravata do 'a favor da vida' recorreram ao argumento nebuloso 'onde começa a vida', para mim um abuso retórico quase como os argumentos que diógenes, o cínico, usava para incitar debates da antiga Grécia. Achei interessante tentar analisar esses argumentos e expor minha opinião sobre esse debate de forma global.
Primeiro de tudo, apesar de não ser nenhum especialista na área médica, seria interessante tentar estabelecer o que seria anencefalia. Esta anomalia é ocasionada pela má formação do tubo neural na fase embrionária, essa má formação quando é mais leve pode dar origem ao que chamamos de espinha bífida (que ocasiona para ou tetraplergia, dependendo da altura da lesão medular) e, nos casos mais graves a ausência total (ou parcial grave) do cérebro ou até mesmo de todo o sistema nervoso. É uma anomalia reprodutiva que torna a vida extrauterina totalmente impossível. Quando o bebê chega a nascer, vive no máximo uns poucos dias. Um caso trazido pelos partidário antiaborto consistia num caso bizarro de manipulação midiátia, pois o caso da menina que supostamente era anencefálica e já está com cerca de 2 anos (não sei ao certo) ela pode não ter a calota craniana, mas tem cérebro bastante para lhe garantir as funções vitais básicas, o que um feto anencéfalo nem em sonho possui.
Bem, vamos aos pontos argumentativos contra a interrupção da gestação que acredito serem mais 'importantes'.
Muitos tentaram que a discussão migrasse para algo que não se tem consenso até hoje que é o do início da vida. Esta retórica podia ser admissível no julgamento que tratou sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias (lei de biossegurança). Essencialmente a discussão era sobre a criação de uma hipótese extralegal de exclusão de ilicitude para o aborto dos fetos que fossem diagnosticados com tal anomalia (por exemplo, do Direito Penal alemão, como há muito já alertava Nélson Hungria existiam as causas de justificação extralegais para, na interpretação da lei penal, despenalizar condutas que a sociedade não enxergasse mais como ofensivas a determinados bens jurídicos). Necessariamente este era um argumento sem fundamento, pois o que se discutia não era sobre a existência da vida (fato irrefutável), mas sobre a interrupção de uma gestação sob o prisma da dignidade humana da mãe (e porque também não do pai) uma vez que o feto não teria viabilidade extrauterina.
Num segundo momento, e acredito que a contra argumentação mais grave do opositores desta modalidade de aborto seria que a interrupção da gravidez de fetos anencefálicos seria o primeiro passo para a instalação de um sistema de seleção eugênica de cidadãos por parte do Estado, tal como aconteceu no nacional-socialismo alemão (1933-1945).
De todas as teses, esta seria a mais ridícula. O regisme nazista da alemanha promoveu seleções raciais (com critérios no mínimo duvidosos) não baseado na autonomia da vontade, mas de uma imposição do Estado frente à sociedade (como é típico do Estado de polícia do século XX) num cenário de uma ideologia estatal oficial baseada no conceito de raça ariana. O que se passa aqui no Brasil é algo totalmente diferente, obviamente não há a divulgação pelo Estado de uma ideologia oficial que busque doutrinar toda a população e, como forma de torná-la obrigatória impô-la por meio do terror como forma de ação política (como já alertava Hannah Arendt quando analisou o 'modus operandi' do totalitatismo). A ideia básica da despenalização do aborto de fetos anencefálicos seria, em verdade, conferir ao cidadão algo que regimes policialescos nunca fizeram, preservar a autonomia da vontade de seus cidadãos, isto deve ser valorizado, pois não pode ser concebida a existência de um Estado democrático se a sociedade não possui sequer um espectro mínimo de liberdade para exercer escolhas.
Na mesma esteira da autonomia da vontade (que não entendo como um postulado absoluto) e partindo para um argumento mais religioso (local comum em tal discussão), Deus ao criar as pessoas conferiu-lhes algo chamado livre-arbítrio (o mal uso dele teria dado origem ao pecado original), sendo os humanos dotados de algo sui generis que é a possibilidade de escolhas baseadas em argumentos os quais se acredita serem racionais, por quê proibir quando se pode conferir a dignidade a cada pessoa de exercer o direito de escolha nos moldes da ideia de livre-arbítrio?
Por fim (já que me alonguei demais), vejo a questão da dignidade, como buscar garantir a dignidade de alguém que não tem possibilidade de atingir um pleno desenvolvimento (e isto é bastante diferente do que muitas pessoas disseram que abortar um feto anencefálico seria a mesma coisa do que fazer o mesmo com um deficiente ou alguém com Alzheimer, essas pessoas têm todas as possibilidade reais de atingir um pleno desenvolvimento frente às suas limitações, pois a ideia de límite é ínsita à natureza humana) enquanto se joga à lama a dignidade aos pais que ficariam presos a uma gestação torturante sem poder exercer seu direito de escolha.
Por fim, é preciso imaginar-se num dilema como o de quem escolhe, pois só é possível ser digno ao conferir dignidade aos outros, negar a dignidade de quem passa por uma situação como esta é retirar sua própria dignidade.
Por fim, uma vitória do bom senso...
Como todo os temas que ultimamente têm caído no colo do STF para que ele dê a última palavra, este tema gerou debates acalourados de ambos os lados.
Apesar do desvio de foco (até por parte dos ministros) no momento da votação era sobre a possibilidade de a gestante ter o direito de escolher pela interrupção ou não da gravidez de fetos com a anomalia conhecida por anenecefalia e, havendo a interrupção do processo gestacional, tal ação poderia ser considerada crime.
Muitos dos que se situaram no debate com a velha bravata do 'a favor da vida' recorreram ao argumento nebuloso 'onde começa a vida', para mim um abuso retórico quase como os argumentos que diógenes, o cínico, usava para incitar debates da antiga Grécia. Achei interessante tentar analisar esses argumentos e expor minha opinião sobre esse debate de forma global.
Primeiro de tudo, apesar de não ser nenhum especialista na área médica, seria interessante tentar estabelecer o que seria anencefalia. Esta anomalia é ocasionada pela má formação do tubo neural na fase embrionária, essa má formação quando é mais leve pode dar origem ao que chamamos de espinha bífida (que ocasiona para ou tetraplergia, dependendo da altura da lesão medular) e, nos casos mais graves a ausência total (ou parcial grave) do cérebro ou até mesmo de todo o sistema nervoso. É uma anomalia reprodutiva que torna a vida extrauterina totalmente impossível. Quando o bebê chega a nascer, vive no máximo uns poucos dias. Um caso trazido pelos partidário antiaborto consistia num caso bizarro de manipulação midiátia, pois o caso da menina que supostamente era anencefálica e já está com cerca de 2 anos (não sei ao certo) ela pode não ter a calota craniana, mas tem cérebro bastante para lhe garantir as funções vitais básicas, o que um feto anencéfalo nem em sonho possui.
Bem, vamos aos pontos argumentativos contra a interrupção da gestação que acredito serem mais 'importantes'.
Muitos tentaram que a discussão migrasse para algo que não se tem consenso até hoje que é o do início da vida. Esta retórica podia ser admissível no julgamento que tratou sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias (lei de biossegurança). Essencialmente a discussão era sobre a criação de uma hipótese extralegal de exclusão de ilicitude para o aborto dos fetos que fossem diagnosticados com tal anomalia (por exemplo, do Direito Penal alemão, como há muito já alertava Nélson Hungria existiam as causas de justificação extralegais para, na interpretação da lei penal, despenalizar condutas que a sociedade não enxergasse mais como ofensivas a determinados bens jurídicos). Necessariamente este era um argumento sem fundamento, pois o que se discutia não era sobre a existência da vida (fato irrefutável), mas sobre a interrupção de uma gestação sob o prisma da dignidade humana da mãe (e porque também não do pai) uma vez que o feto não teria viabilidade extrauterina.
Num segundo momento, e acredito que a contra argumentação mais grave do opositores desta modalidade de aborto seria que a interrupção da gravidez de fetos anencefálicos seria o primeiro passo para a instalação de um sistema de seleção eugênica de cidadãos por parte do Estado, tal como aconteceu no nacional-socialismo alemão (1933-1945).
De todas as teses, esta seria a mais ridícula. O regisme nazista da alemanha promoveu seleções raciais (com critérios no mínimo duvidosos) não baseado na autonomia da vontade, mas de uma imposição do Estado frente à sociedade (como é típico do Estado de polícia do século XX) num cenário de uma ideologia estatal oficial baseada no conceito de raça ariana. O que se passa aqui no Brasil é algo totalmente diferente, obviamente não há a divulgação pelo Estado de uma ideologia oficial que busque doutrinar toda a população e, como forma de torná-la obrigatória impô-la por meio do terror como forma de ação política (como já alertava Hannah Arendt quando analisou o 'modus operandi' do totalitatismo). A ideia básica da despenalização do aborto de fetos anencefálicos seria, em verdade, conferir ao cidadão algo que regimes policialescos nunca fizeram, preservar a autonomia da vontade de seus cidadãos, isto deve ser valorizado, pois não pode ser concebida a existência de um Estado democrático se a sociedade não possui sequer um espectro mínimo de liberdade para exercer escolhas.
Na mesma esteira da autonomia da vontade (que não entendo como um postulado absoluto) e partindo para um argumento mais religioso (local comum em tal discussão), Deus ao criar as pessoas conferiu-lhes algo chamado livre-arbítrio (o mal uso dele teria dado origem ao pecado original), sendo os humanos dotados de algo sui generis que é a possibilidade de escolhas baseadas em argumentos os quais se acredita serem racionais, por quê proibir quando se pode conferir a dignidade a cada pessoa de exercer o direito de escolha nos moldes da ideia de livre-arbítrio?
Por fim (já que me alonguei demais), vejo a questão da dignidade, como buscar garantir a dignidade de alguém que não tem possibilidade de atingir um pleno desenvolvimento (e isto é bastante diferente do que muitas pessoas disseram que abortar um feto anencefálico seria a mesma coisa do que fazer o mesmo com um deficiente ou alguém com Alzheimer, essas pessoas têm todas as possibilidade reais de atingir um pleno desenvolvimento frente às suas limitações, pois a ideia de límite é ínsita à natureza humana) enquanto se joga à lama a dignidade aos pais que ficariam presos a uma gestação torturante sem poder exercer seu direito de escolha.
Por fim, é preciso imaginar-se num dilema como o de quem escolhe, pois só é possível ser digno ao conferir dignidade aos outros, negar a dignidade de quem passa por uma situação como esta é retirar sua própria dignidade.
Por fim, uma vitória do bom senso...
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