sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Ficha Limpa







Bem, pensei que não iria me sentir motivado para comentar sobre a Lei Complementar n. 135/2010, conhecida pelo 'apelido' de Ficha Limpa. Contudo, após ter acompanhado os momentos decisivos do julgamento do Supremo Tribunal Federal ontem, me senti animado, mesmo o direito eleitoral não sendo, digamos, a minha alma mater.

Não falo nada de novo ou revolucionário, mas, é a minha sincera opinião.

Primeiro de tudo, sempre achei o sistema eleitoral brasileiro uma porcaria tão grande quanto os candidatos que temos a cada dois anos. A lei é anacrônica, o sistema proporcional é antidemocrático, os suplentes ao senador na verdade 'compram' suas vagas na 'casa nobre' da república ao financiar as campanha em quase sua integralidade, ou seja, nosso sistema eleitoral é um verdadeiro pandemônio.

Todavia, em meados do ano passado inciou-se uma campanha da sociedade civil organizada (Igreja Católica, Ministério Público Federal e outras entidades de peso) no sentido de criar uma modificação legal (iniciativa popular de processo legislativo) que endurecesse a legislação eleitoral sobre os casos de inelegibilidade.

Desta forma, a LC 135/2010 criou novas modalidades de inelegibilidade e, dentre elas, a mais eficaz, a hipótese da impossibilidade de registro de candidatura pelo período de 8 (oito) anos daqueles que viessem a ser condenados (em decisão transitada em julgada) por órgão colegiado.

Desde a campanha pela lei do ficha limpa houve um tumulto quanto ao tema, visto que a matéria chegou ao congresso rodeada por imensa pressão da sociedade e das instituições que apoiaram o projeto desde a sua gênese.

Em cima da hora, apesar de mais de um milhão de assinaturas colhidas em todo Brasil, constatou-se que as assinaturas que embasavam o projeto não tinham condições formais de iniciar o processo legislativo por iniciativa popular (a constituição exige como procedimento a adesão mínima de 1% da população eleitoral nacional, mediante assinaturas, distribuídos por pelo menos 5 unidades federativas e no mínimo 0,3% dos eleitores em cada uma dessas unidades). Fato este que não atrapalhou a votação, visto que o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) vestiu a comisa do projeto e tranformou-o em projeto de lei de iniciativa daquela casa legislativa.

Numa 'tramitação relâmpago', em poucos dias a lei estava aprovada pelas duas casas do congresso nacional e promulgada pelo Presidente da República.

A partir da sua promulgação no dia 4 de junho do ano corrente começaram as polêmicas de possibilidade de aplicação já nas eleições do próximo dia 3 de outubro e também se a lei tinha efeitos ex nunc (sem efeito retroativo) ou ex tunc (com efeito retroativo).

Vamos começar da lei mais básica e geral para a mais específica para entender os problemas que envolvem o ficha limpa.

Os artigos de 14 a 16 da Constituição regulam os Direito Políticos que, apesar de não estarem insertos na parte que se refere aos direitos individuais e coletivos, também são classificados como Direitos Fundamentais, pois regulam formas e condições para participação política e exercício da cidadania, ou seja, referem-se ao princípio democrático, um dos fundamentos de nossa ordem constitucional.

Por sua vez, o §9º do art. 14 estabelece que lei complentar fixará outras hipóteses de inelegibilidade, e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. Estando perante um norma constitucional de natureza limitada (ou não operativa), a completude de tal mandamento constitucional foi efetivado por meio da lei complementar n. 64/90 qu estabeleceu as condições de inelegibilidade as quais o §9º do art. 14 fez referência e fixou a reserva legal para lei complementar.

Até aí tudo bem, o grande problema é o limite de aplicabilidade (não de eficácia, que é imediata) estabelecido pelo art. 16 da Constituição que estabelece o princípio da anualidade no qual as modificações no processo eleitoral são apenas aplicáveis um ano após a promulgação da lei em questão.

O princípio da anualidade mostra-se como corolário da segurança jurídica (já que a própria Constituição afirma que a lei não prejudicará a coisa julgada, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito), já que mudar 'as regras do jogo' em tempo muito exíguo seria algo típo dos regimes autocráticos (lembrando o raciocínio de Hans Georg Gadamer que nos regimes autoritários não interpretação, muito menos segurança jurídica, uma vez que toda e qualquer dispposição é mutável de acordo com os desígnios dos donos do poder). A inexistência do princípio da anualidade tornaria possível de uma reprise no Ato Institucuinal n. 3 que, em ano eleitoral, institui a mudança no processo e estabeleceu a eleição indireta para presidente da república.

Tendo a lei sido aprovada no último dia 4 de junho, pode-se falar claramente que a mesma não seria aplicável ao pleito do próximo mês, pois entra em confronto direto com o princípio da anualidade eleitoral.

Outro ponto polêmico seria o caso de que se o ficha limpa aplicar-se-ia apenas aqueles que a partir de 4 de junho tivessem a condenação por orgão colegiado transitada em julgado ou os efeitos da lei estender-se-iam às condenações transitadas em julgado antes da promulgação da lei.

Entendo como este ponto da lei também pernicioso. Primeiro de tudo, a LC 135/2010 é clara em sua redação: "
os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes (...)".

Assim sendo, percebe-se que a lei, por sua prória limitação temporal apenas seria aplicável aos casos futuros, não regendo os casos que foram julgados antes da sua vigência. Entender de forma contrária é que seria (mais do que a violação ao princípio da anualidade) um atento ao princípio da segurança jurídica, com a ofensa à coisa julgada. A ampliação da pena de inelegibilidade (em geral de 3 anos) seria impensável, já que importaria em condição retroativa que pioraria a situação do condenado.

Não atacando uma lei como o ficha limpa, evolução a olhos vistos da sociedade civil organizada, mas, algumas das coisas realizadas por ela importa em graves violações a Direitos Fundamentais que não podem ser simplesmente ignoradas, pois, os Direitos Fundamentais são os direito mais básicos e que devem, necessariamente, balizar a atuação do poder executivo e legislativo.

Devo lembrar que a LC 135 é uma escolha ética acertada, mas, mais importante do que qualquer reforma eleitoral, nada substitui a reforma de consciência necessária no momento das eleições, momento sublime da cidadania e onde a democracia irradia sue principal brilho, a participação popular.

Não devemos deixar a escolha eleitoral recair sobre as mãos do Poder Legislativo ou Judiciário (dizendo se o ficha limpa vale ou não ou condenar o STF, taxando como falta de vergonha as decisões daquela corte que se balizam no respeito à Constituição e aos Direitos Fundamentais). Mais eficaz do que qualquer lei seria a decisão de cada cidadão que, independentemente de qualquer lei, levasse a cabo o seu 'ficha limpa' privado, preferindo votar em cadidatos com boas propostas de governo (e não naqueles que possam lhe beneficiar com um emprego ou outras benesses) ao invés dos tradicionais 'fichas sujas' que ocupam a cena política brasileira há anos.

Enquanto os cidadãos brasileiros não tomarem tal iniciativa, a política será dominada por esses tipos corruptos que estão em nosso cenário e a política continuará sendo o reflexo de uma cidadania deformada.

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